16 de dez. de 2013

Jussara Silveira e sua viagem pela "Água Lusa"

1. Na Companhia de Fadistas (Fado Margaridas) (Miguel ramos / Thiago Torres da Silva)
2. Vou Num Rio (Fado Licas) (Armando Machado / Thiago Torres da Silva)
3. Meu Amor Abre A Janela (Fado Santa Luzia) (Armando Machado / Thiago Torres da Silva)
4. O Mar Fala de Ti (Ernesto Leite / Thiago Torres da Silva)
5. Cantiga do Ladrão (Rão Kyao / Thiago Torres da Silva)
6. Voltarei À Minha Terra (Armandinho / Thiago Torres da Silva)
7. Uma Canção Por Acaso (Pedro Jóia / Thiago Torres da Silva)
8. Beijo Alentejano (Carlos Gonçalves / Thiago Torres da Silva)
9. O Nome do Mar (Rui Veloso / Thiago Torres da Silva)
10. Sereia (Fado Menor do Porto) (Jaime Cavalheiro / Thiago Torres da Silva)
11. Quase A Amanhecer (Pedro Jóia / Thiago Torres da Silva)


A muitos anos que considero Jussara Silveira uma das melhores cantoras brasileiras, numa lista de 5 ou 6. Dona de fina sensibilidade, a baiana nascida em Minas Gerais criou uma trajetória de coerência e bom gosto e mesmo sem ter se tornado uma mega-star, adquiriu prestígio e o patamar de cantora de nível nacional.

Jussara iniciou a carreira na década de 80, foi vocalista de Caetano Veloso, cantou em trio elétrico, mas seu temperamento e voz cool a levaram a construir sua trajetória longe da eletricidade do carnaval baiano. Estreou em disco em 1997, num disco em que já apareciam sugestões de um namoro com a música portuguesa, no fadinho baiano “Orientação”, de Tuzé de Abreu, onde numa letra sintética ela cantava “Lá na alma da gente tem um lugar um tempo bom, é preciso seguir o farol”. Gravou Dorival Caymmi em 1998 no belo disco “Canções de Caymmi”, e voltou a namorar com o fado em “Jussara” de 2002, nas gravações de “Fria claridade” (JM Amaral / PH de Melo) e “Caravela” (Maurício Pacheco). 

Sua discografia impecável conta ainda com os discos “Nobreza” e “Entre O Amor E O Mar” (ambos de 2006), “Três Meninas do Brasil” (2008), inesquecível encontro com Teresa Cristina e Rita Benneditto (ex-Ribeiro), “Ame Ou Se Mande” (onde mais uma vez há um namoro com Portugal na canção “Tenho dó das estrelas”, poema de Fernando Pessoa musicado por José Miguel Wisnik) e “Flor Bailarina” (ambos de 2011).

Artista do jeito doce (não a conheço pessoalmente, mas conheço pessoas que a conhecem, e essa é a opinião unânime), Jussara flertou com Angola no clipe de “A Volta de Xanduzinha” (TomZé), do disco de 2002 e em um disco inteiro dedicado à música deste país africano, o belo “Flor Bailarina”.

Agora Jussara completa sua volta ao mundo musical lusófono e lança “Água Lusa”, um disco no qual a cantora interpreta composições portuguesas, todas elas letradas pelo poeta português Tiago Torres da Silva.

Assim como o fez em “Flor bailarina”, Jussara empresta sua sensibilidade interpretativa ao fado, sem jamais deixar de ser baiana em essência. A primeira faixa do disco dá o recado numa letra em que Jussara se dirige aos puristas e tradicionalistas e pede licença e perdão para cantar o mais tradicional dos gêneros portugueses:


Na Companhia de Fadistas (Fado Margaridas)
(Miguel Ramos / Thiago Torres da Silva)
 


“Não é por ter amado o fado antigo
Que eu já posso dizer que sou fadista
Mas por lhe ter amor é que eu te digo
Que o fado fez em mim nova conquista
Mas por lhe ter amor é que eu te digo
Que o fado fez em mim nova conquista


Não sei o que há no Fado Margaridas
Que choram ao mesmo tempo que sorriem
Descubro neste fado tantas vidas
Que já nem sei dizer quantas vivi
Não sei o que há no Fado Margaridas
Que choram ao mesmo tempo que sorriem 

Talvez não seja aceite entre puristas
Talvez pensem que eu não tenho direito
Mas é na companhia de fadistas
Que eu sinto a vida a latejar no peito
Mas é na companhia de fadistas
Que eu sinto a vida a latejar no peito

Sei que não sou do fado por nascença
E só o posso ser por condição
Por isso ao começar peço licença
E assim que terminar peço perdão
Por isso ao começar peço licença
Mas só o posso amar de coração.”

Mesmo sem ser tradicional como Amália Rodrigues ou dramática como Mariza, as duas maiores cantoras de fado - a maior de todos os tempos e a maior da atualidade -, Jussara não perde de vista as características peculiares do gênero. Uma certa melancolia, um sentimento de saudosismo permeiam todo o disco. Mas Jussara em nenhum momento faz um pastiche de cantora de fado. É uma cantora brasileiríssima, que ousa, por exemplo, inserir uma batida de samba em “Uma Canção Por Acaso”. No disco também está presente uma composição de um dos maiores astros da música de Portugal, Rui Veloso, que contribuiu com “O Nome do Mar”. Até mesmo um procedimento comum no mundo do fado, a utilização de uma melodia famosa com letra especialmente feita para a cantora, está presente no disco. O “Fado Menor do Porto” aparece no disco de Jussara com poema de Tiago Torres da Silva como “Sereia”. Trata-se de um dos clássicos do repertório fadístico, já gravado pelas mesmas Amália (um dos grandes sucessos desta, “Não é desgraça ser pobre”) e Mariza (“Meus olhos que por alguém”, do CD “Fado Tradicional”, mais recente de Mariza, lançado em 2010). 

De estilo muito peculiar (cujo timbre de voz evoca eventualmente o de Gal Costa), Jussara empresta sua alma brasileira, ao mesmo tempo intimista e intensa, ao que há de mais bonito da música portuguesa.









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